Aclamada por sua abordagem crua, sensível e provocadora, a série Adolescência, lançada em 2025, rapidamente se tornou um dos títulos mais discutidos do ano nas plataformas de streaming e redes sociais. O drama psicológico, que retrata com profundidade os dilemas emocionais, familiares e digitais de um grupo de adolescentes, não apenas capturou a atenção do público jovem, como também despertou intensos debates entre neurocientistas, psicólogos, educadores e terapeutas especializados em desenvolvimento adolescente.
Veja abaixo o trailer oficial da aclamada série:
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Uma ficção cada vez mais próxima da realidade
A narrativa da série, ambientada em uma escola secundária de classe média alta, mergulha em questões como identidade, ansiedade, dependência digital, pressão estética, bullying virtual, sexualidade e vínculos familiares fragilizados. O enredo tem sido elogiado por trazer para a ficção elementos reais do cotidiano de adolescentes contemporâneos, amplificados pelas redes sociais e por um mundo hiperconectado.
Adolescence: o espelho incômodo da juventude digital em crise
A produção da Netflix nos entrega não apenas uma série dramática, mas uma lente intensa e crua sobre o que significa crescer em 2025. Para psicólogos, terapeutas e neurocientistas, a obra se impõe como um alerta poderoso: a adolescência do nosso tempo está sendo moldada tanto pelo mundo real quanto pelo algoritmo.
A série acompanha Jamie Miller, um garoto de 13 anos acusado de assassinar uma colega. O roteiro — que poderia facilmente descambar para o sensacionalismo — faz o oposto: explora com sobriedade nas camadas de desenvolvimento emocional, psicológico e social de um adolescente em formação, oferecendo um retrato desconfortavelmente realista.
Entre o cérebro em transição e o bombardeio digital
Neurocientistas como Sarah-Jayne Blakemore, referência no estudo do cérebro adolescente, destacam que Adolescence acerta ao mostrar o limbo entre impulsividade e identidade que marca essa fase da vida. O cérebro adolescente ainda está em construção — principalmente nas áreas relacionadas à empatia, autorregulação e julgamento de risco.
“Quando somamos isso ao excesso de estímulos digitais e à exposição a ideologias tóxicas, temos um cenário de alta vulnerabilidade neurológica e emocional”, aponta Blakemore.

Para a neurocientista americana Lisa Feldman Barrett, autora de How Emotions Are Made, a série acerta ao mostrar como o cérebro adolescente ainda está em formação:
“A impulsividade, os extremos emocionais e a necessidade de pertencimento retratados ali refletem com precisão os processos neurológicos dessa fase da vida”.

Já a psicóloga clínica britânica Tanya Byron destaca o risco da superexposição digital:
“A série denuncia com sensibilidade o quanto o mundo online pode ser cruel, acelerando quadros de depressão e ansiedade entre jovens que ainda estão moldando sua autoestima”.
O psicoterapeuta francês Serge Tisseron, referência nos estudos sobre juventude e tecnologias, afirma:
“Adolescência é uma obra que alerta para o fato de que a linha entre o público e o privado desapareceu para essa geração — e isso tem custos emocionais profundos”.

Um terreno fértil para a radicalização emocional
Para outros terapeutas familiares e psicólogos comportamentais, a trajetória de Jamie representa mais que um caso isolado: é o reflexo de milhares de jovens que, no vácuo de afeto, pertencimento ou estrutura emocional, encontram em fóruns extremistas uma sensação de identidade e propósito.

“Eles não são recrutados por ódio, mas por solidão”, explica a psicóloga americana Lisa Damour, especialista em desenvolvimento emocional adolescente.
“A narrativa da ‘manosfera’ oferece aos garotos rejeitados um roteiro — distorcido, mas coerente — para canalizar frustração, vergonha e medo.”
E isso não é ficção.
Estudos recentes publicados no Journal of Adolescent Health mostram um aumento preocupante na exposição de jovens do sexo masculino a conteúdos misóginos e teorias conspiratórias online. O que Adolescence faz é dramatizar, com crueza e empatia, o que essas estatísticas revelam silenciosamente.
O papel dos adultos: presença, não apenas vigilância
Especialistas são unânimes em afirmar que a série deve ser um ponto de partida, não de pânico. Ela serve como convite para conversas — entre pais e filhos, professores e alunos, profissionais de saúde e sociedade civil.
“Não se trata de controlar o que eles veem, mas de estar disponível quando eles forem atravessados por aquilo que viram”, diz o terapeuta britânico Steve Biddulph.

O cuidado com o que os jovens acessam online segue fundamental. Mas ainda mais urgente é cuidar do que não acessam: afeto seguro, validação emocional, modelos masculinos saudáveis.
Uma obra para ver — e conversar

Mais do que um sucesso de audiência, Adolescence se tornou um marco cultural e terapêutico. É o tipo de obra que precisa ser assistida com perguntas, não com julgamentos. Com jovens, não apenas sobre eles.
A série não mostra monstros — mostra meninos. E essa talvez seja sua denúncia mais potente.